Crônicas da vida urbana
Por Crônicas da vida urbana -
Crônica com carro, cães, moça elegante e caminhão
Estava eu lidando no meu expediente interno normal, quando escuto um coral de latidos. É normal transitarem aqui pela rua passeadores de cachorros, que se assanham com uma vizinha peludíssima e muito fofa da casa ao lado. O serviço não comportava interrupções, e não fui olhar – mesmo porque a altercação cessou pouco depois.
Passou um tempinho, e entre outros sons do tráfego de rotina, escutei aquele pi-pi-pi-pi-pi de caminhão dando marcha à ré, e os latidos recomeçaram. Agora, tudo isso acontecendo diante da minha janela, requeria atenção.
Era um caminhão de seguradora, se posicionando de costas para um carro parado – no qual, uma matilha de uns cinco ou seis cães se indignava e protestava contra a coisa. Desce então do carro uma moça elegantemente vestida, conjunto jeans e botas com cara de coisas chiques; fala um minuto com o motorista da seguradora e volta para o carro. Na saída como na reentrada, a atenção para não deixar escapar nenhum dos canídeos.
Rindo, o motorista do caminhão introduziu sob o carro aquele gancho apropriado, entrou na cabine, baixou a rampa a passou a puxar o carro. Com os sacolejos do reboque, a latição, percebia-se de fora, devia ser ensurdecedora. Cabeças com seus respectivos pares de orelhas peludas, focinhos escancarados, olhos brilhantes – se esbaldavam em protestos e reclamações, arfando, pulando e correndo sobre os bancos. A moça, impávida e classuda, atenta à operação de resgate do carro, “não dizia ai nem bai”, segundo os sicilianos, para explicar a seus amigos o que estava, afinal, rolando. E, convenhamos, eles tinham o direito de saber o que acontecia e de estar nervosos e de reclamar.
O motorista saiu novamente, colocou travas e correntes nos pneus do carro, voltou para a cabine e o caminhão arrancou com um sacolejo, desaparecendo no trânsito.
Da frente da minha casa à oficina da seguradora, as pessoas viram passar um grande caminhão com um carro a bordo, e dentro deste uma moça impassível e elegante, entre cinco – ou seis – cães nem tanto, latindo e saltando de um banco pro outro, indignados com aquele passeio tão inesperado e fora de jeito.