Crônicas da vida urbana
Por Crônicas da vida urbana -
Vista da minha jaula
A culpa, em parte pelo menos, é do Walt Disney: a partir de seus filmes sobre Natureza, feitos em acordo com a mesma, e não contra ela, deixam de fazer sentido monstruosidades como circos e zoológicos. Os circos com animais são das piores manifestações de crueldade: tirar os bichos de seu ambiente já é uma violência; torturá-los para que façam gracinhas e os humanos se sintam superiores não tem nome. Quanto aos zoológicos, pode-se fazer exceção se tiverem como objetivo básico proteção em vez de exibição dos bichos.
A prova de que não é necessário torturar animais para fins de entretenimento é o Cirque du Soleil: os humanos são espetáculo uns para os outros. Os poucos zoológicos que frequentei, por força de circunstâncias e contra a vontade, me causaram sempre uma imensa vergonha de pertencer à raça humana. E, inevitável, o pensamento:
- Que tal um lugar onde os humanos estivessem aprisionados para serem vistos pelos animais?
Em algumas ocasiões, estive na situação de observar a espécie humana, sem no entanto estar enjaulado – ou não literalmente... - o que já é um diferencial.
Foram ocasiões muito díspares e distantes entre si, variando entre botecos e situações cotidianas. De qualquer forma, a constante era dispor de um observatório muito discreto, próximo do invisível, pesquisa não-participante.
As conclusões dessas observações são impublicáveis e, na sua maioria, nem mesmo mencionáveis numa conversa.
Para vocês terem uma pálida ideia, acho que os humanos estão, na escala da vida terráquea, mais ao nível dos insetos que dos ditos “animais superiores”, mamíferos e similares. No geral, temos comportamentos mais para formigas e cupins do que para felinos e canídeos. Para os primeiros, dominam as ações coletivas e instintivas; para os segundos, as individuais e racionais.
Claro que tudo isso é muito reducionista e vem num momento de irritação com a irracionalidade dos comportamentos diante da pandemia do vírus chinês. Mas façam uma experiência: desmanchem um formigueiro com o pé. Elas – as formigas – continuarão suas ações coletivas, carregando folhas, retomando os caminhos destruídos, e se for o caso, tentando salvar alguns ovos, para garantir a sobrevivência da espécie.
Os humanos, diante de uma ameaça concreta e efetiva, se jogam para praias, bares e festas – como se nada estivesse acontecendo... Ou se perdem em discussões sem pé nem cabeça nas redes sociais, alimentando o caos.