Crônicas da vida urbana
Por Crônicas da vida urbana -
271 – Minimalismo e quarentena
Minimalismo, vida clean, desapego – são manipulações neoliberais para concentrar não mais apenas o dinheiro – mas também a cultura. Ardil que fica muito evidente agora na quarentena.
Qual é o objetivo final dos patrões planetários? Que o indivíduo desapareça, fique tão inexpressivo quanto, digamos, uma formiga, cupim ou abelha. Que trabalhe para o bem estar das rainha-mães e não encha o saco com reivindicações. Claro que a rainha-mãe não será apenas um indivíduo, mas uma pequeníssima classe de uns poucos milhares num planeta de bilhões.
Observem as moradas, cada vez são menores, para que as pessoas fiquem nelas seu tempo de descanso e não inventem moda: nada de escritórios, gabinetes, bibliotecas, oficinas – qualquer lugar onde se possa criar, estudar, pensar, trabalhar para si mesmo. Home-theater, pra se banalizar diante da TV, isso nunca falta.
O quê você faz quando consegue se apropriar de um espacinho da cidade – aéreo que seja... – depois de muito esforço? Você vai equipar – com móveis e aparelhos que o ajudam a morar – liberando energias para trabalhar para seu patrão.
Se ainda tem um mínimo de lastro cultural, não precisa mais que levar suas tralhas e colocá-las à vista: está feita a melhor decoração possível, você fez seu ambiente e nunca vai se aborrecer dentro dele.
Se for rico, vai contratar um decorador – que vai encher sua morada de coisas que mostrem ao mundo o quanto é rico – coisas compradas a peso de ouro nos mercados adequados. Nada, mas nada mesmo, que seja relacionado com sua história de vida, dinheiro é igual pra todo mundo – a não ser no acesso a ele, bem entendido.
Essas considerações me ocorrem quando vejo a dificuldade de algumas pessoas para guardarem a indispensável quarentena do vírus chinês. Não se trata, é evidente, de quem tem que sair pra trabalhar. Mas a maioria dos reclamões não se aguenta sem boteco, balada, festa, futebol e praia.
Sociabilidade inerente ao ser humano? Não. Tenho criticado muito a vida “nas três telinhas”, mas essa é uma época em que isso se torna conveniente. A situação é provisória, pode se prolongar e – isso talvez seja o pior – não sabemos quanto, mas vai passar e dar uma folga até o próximo vírus que nos venha da China ou outro lugar do planeta.
Então, ficar em casa – se você tem uma casa de verdade, com suas lembranças de vida, suas ocupações de lazer, seus diletantismos culturais – você tira de letra essa quarentena, e as próximas que virão.