Crônicas da vida urbana
Por Crônicas da vida urbana -
"O mar, quando quebra na praia...
“O mar, quando quebra na praia... ... é bonito, é bonito”... Talvez seja a música do Dorival Caymi mais impregnada de baianidade, e que revela, em última instância, a natureza das minhas relações oceânicas. Isto é, o mar é bonito, compõe paisagens muito apreciáveis na natureza e na arte, seja nas marinhas do Pancetti ou do Calderari... E é só. Passou longe de mim a compulsão do Ismael, personagem narrador desse livro imperdível que é Moby Dick: - “Sempre que começo a ficar austero, sempre que é um novembro úmido e chuvoso na minha alma (...) então acho que está na hora de ir pro mar o mais depressa possível. Este é o meu sucedâneo para uma pistola carregada.” Portanto, é uma questão de disposição congênita, vem no DNA se quiserem dizer assim. Acho que faltou a Freud tempo ou disposição para lidar com o que ele, Segismund Freud, poderia ter chamado de “Síndrome de Poseidon”, visto que suas figuras de linguagem tinham todas nomes mitológicos gregos. Quer dizer, as pessoas têm seu ambiente vital eletivo: há quem só se sinta bem numa floresta (ainda que as de concreto e carros); ou no ar, voando, pilotando aviões, soltando raia, pulando de para-quedas, ou como simples passageiro de A-470, mesmo naqueles banquinhos infames. Tenho um amigo que sempre repete que seu ambiente perfeito seria vivendo com os tuaregues no Sahara. Gente, tem gosto pra tudo! E no entanto, tenho o sangue de povos de grandes navegadores: tanto portugueses quanto japoneses, são gente do mar. “Quanto do teu sal, ó mar, são lágrimas de Portugal?” Ou, talvez por isso mesmo, sou planaltino convicto e irredutível. É, apenas, o meu caso pessoal assumido: acho que o tal - o oceano, ou todos eles, fique bem claro – excessivamente grande, molhado e, decorrentemente, perigoso. Eu e seu Poseidon mantemos uma relação de respeito mútuo: ele lá, eu cá. Nenhuma animosidade, mas também nada de intimidades e tapinhas nas costas. Posso ficar dias numa casa de praia admirando a paisagem – mas sem pisar na areia nem molhar os pés na salmoura. Fico com as dádivas gastronômicas, que não são poucas, das plagas marinhas: peixes e os mais frutos que possam ser simplesmente comprados, isto é, não me exijam atividades extrativistas com as quais também não me acerto bem. Tipo pescaria e similares. Essas viagens, que há quem adore, louve e não entenda minha aversão – a bordo de edifícios flutuantes, tipo Pedro Álvares Cabral e Fernão de Magalhães, meses no mar - também não me atraem: batem de frente na claustrofobia. Quem nasce pra Airbus nunca chega a Titanic, não sei se dá pra entender...