Coluna esquinas
Por Coluna esquinas -
Janelas
Todo verso deveria vir das janelas. Chegaria esvoaçante falando baixinho e pousaria nos cantos da casa trazendo mais vida para dentro de nosso aconchego sagrado com sua potência. Permitindo não esquecermos que a arte sempre incomoda o acomodado.
Versos sem enquadramentos que cruzam nossa vida abrindo a cortina removendo nossos olhos e provocando curiosidade. Se alguém quer a realidade fora da poesia, ligue a TV. Se alguém sonha a realidade que não essa, estenda o braço fora da janela e sinta o que diz o poema.
Quando somos atravessados por um poema, primeiro vem o calor acompanhado de calafrios. O poema entra em nossa vida trazendo pulso, vida, respiro, coragem. A poesia não pode ser definida senão corremos o risco de não a entender. Ela precisa ser sentida como uma janela que nos apresenta um outro lugar possível.
Olhe com esmero e calma para sua janela. Novamente debruce um tempo ali no parapeito sem enquadramento e olhe com reverência para teus movimentos, tua respiração, teu corpo e observe teus pensamentos. Tentou? A vida ganha forma quando sabemos que a pior atrofia é anestesiar os sentidos para o que está em volta.
Rir, ouvir, falar, tocar, beijar, gargalhar, dançar, cantar. Alegria é um conceito de resistência e de vida como disse o filósofo que nos apresentou seu deus como a harmonia entre as coisas que existem. A alegria é tudo que nos dá potência e, não tenho qualquer dúvida, a poesia é uma janela que permite movimentos.
Já tivemos um tempo em que as janelas abriam para campos, mares ou telhados do vizinho. Depois vieram as janelas velozes de carros ou telas ligadas. As janelas sempre nos remetem para longe. O olho pode sair daqui e flutuar noutra paisagem. Como o poema tem que ser assim quando chega.
Não quero, antes de me despedir, de lembrá-los de que se abandonar tuas potencialidades pode dar guarida à tristeza. Se você deixar que lhe submetam às racionalidades, controlem seu tempo ou seu corpo e pensamento está abrindo tuas janelas para um sistema que segrega, exclui, mata, separa e usa de discurso macio para convencê-lo de que não é nada disso. Grite sempre.
A melhor maneira de enfrentarmos o mundo obstuso, é achar nosso canto de criatividade.
Na dica de hoje, sugiro o filme Maudie - Sua Vida E Sua Arte (Ano 2017. Direção: Aisling Walsh). Película que me fez parir a ideia do primeiro parágrafo desse texto e levar pensamentos para outro recanto. A personagem principal, entristecida, faz desenhos no vidro embaçado de uma janela quando diz: Uma janela. Eu adoro uma janela. A plenitude da vida já enquadrada. Bem ali. Tentei não me perder no lirismo e na carga dramática que tem a história para ver a fotografia, o texto, a atuação incrível da atriz britânica Sally Hawkins. Lindo de ver.
P.s. Olhe o filme indicado como quem deita na grama sob um sol de inverno.