Coluna esquinas
Por Coluna esquinas -
Hoje é quase horizonte
(Para Juan Luis e Lily, que procuram seus horizontes)
Nasci em um canto cercado de horizontes. No pampa vemos apenas terra e céu, numa amplitude que comove. Ainda hoje, em meus olhos, há carências de horizontes.
A vida foi para lá e para cá, até que um dia me vi morando em uma cidade sem horizontes. Era só céu e morros, sem possibilidade de amplitude nos olhos. Por anos tive que achar modos de fugir ou ter meus horizontes guardados em poemas desconhecidos, em textos empoeirados e músicas que inflavam meus pensamentos, abrindo asas em um voo pelo azul.
Não demorou muito para que eu juntasse as tralhas, os livros, os discos e botasse o pé na poeira da estrada, atrás de um lugar em que sumissem meus medos e eu pudesse ver um barco chegando, um sol se abrindo, uma lua sonolenta iluminando a terra. E cá estou, perto da terra, com olhos fixos na imprecisão das distâncias.
Faço a narrativa dessa breve história e da minha relação com horizontes, dando chance para que as minhas palavras abandonem a rudeza tão costumeira e assentem seus significados em colos carentes de distâncias.
Algumas coisas dessa vida nos movem nas escolhas e decisões. Tudo o que dizemos, fazemos ou decidimos habita um horizonte que constumamos chamar de esperança ou futuro. Cada escolha feita desenha o que queremos que seja realidade lá na frente. Eu tenho medo de quem só olha o dia presente. Temo quem viva o instante sem horizontes.
Uma cidade sem a vastidão do olhar cria uma cultura pragmática, que só percebe a vida como: trabalho, bens adquiridos, posses e sobrenomes. Uma cultura que tem grandes dificuldades em acolher, maior dificuldade ainda em reconhecer as diferenças como parte da vida, e cria um muro intransponível em se tratando de ouvir e dar colo as dores do outro.
Bem sabemos que há diferentes modos de entrarmos em uma cidade. Eu aqui, escolho entrar pelos seus olhos culturais. Uma cidade é feita por pessoas que tem seus olhos para o mundo temperados por múltiplas influências. E, arrisco em dizer que uma delas é a presença ou a falta de horizontes que arejam a mente, ampliam os olhares e tornam possíveis as mudanças.
Horizonte, essa linha que parece unir o céu e a terra, que faz com que o sagrado e o profano se toquem. Faz falta. Faz muita falta aos olhos e a mente. É ali, bem na linha imaginária, que o dia recomeça.
Sei, sei bem que pode soar um tanto piegas falarmos sobre o tema. Mas só seria se eu tomasse esse texto como uma lição de moral ou desse conselhos para o futuro, como se o horizonte do outro a mim pertencesse. Não tenho essa pretensão. Compartilho meus pensamentos sobre os efeitos desse fenômeno em meus textos e minha relação com o outro.
Para não alongar demais essa conversa seria bom relembrarmos que o horizonte pertence aos olhos e não é uma realidade. Em se tratando de cultura e modos de existência, o mundo é exatamente como somos. Ou vejo as contradições do mundo e possíveis modos de mudá-lo, ou vivo encimesmado em meus problemas a ponto de julgar que os problemas alheios não merecem minha atenção.
Por fim, sem arriscar mais em pieguices, os sonhos não estão aqui. Habitam uma linha imaginária, que estimula o movimento.
FICA A DICA
O filme Mucize (Ano 2015. Direção Mahsun Kirmizigul.) Um professor, uma vila, um problema e solidariedade. Só há realidade quando as pessoas sonham juntas.