“Criança Viada Show”
Live polêmica continua suspensa
MP pede que autores da denúncia sejam identificados para investigação de crime de discriminação; prefeitura não liberou live
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Após o arquivamento pelo ministério Público da denúncia contra o programa “Roda Bixa - Criança Viada Show”, do projeto cultural Ações para Reexistir, a prefeitura de Itajaí informou que irá concluir o processo administrativo para então fazer “os devidos encaminhamentos” sobre o evento suspenso por ordem do prefeito Volnei Morastoni.
O município não adiantou se vai ou não liberar a realização da série de lives prevista pelo projeto. “O município de Itajaí informa que tomou conhecimento da decisão do ministério Público por meio da imprensa, pois ainda não recebeu o documento oficialmente”, alegou a prefeitura.
A denúncia de suposta “apologia à pedofilia” afirmando que o programa apresentaria “conteúdos de ordem sexual para crianças” foi arquiva pelo promotor Diego Rodrigo Pinheiro, da Vara da Infância e da Juventude de Itajaí, na última segunda-feira.
A queixa foi levada à promotoria pelo conselho Tutelar, apontando que o nome “Criança Viada” feriria artigos do estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A superintendência das Fundações de Itajaí também se manifestou contrária ao projeto no procedimento.
Com base na denúncia, o prefeito Volnei Morastoni (MDB) suspendeu a exibição da live no dia 14 de maio, alegando necessidade de esclarecimentos. Um procedimento administrativo foi aberto pela procuradoria municipal. O processo está em andamento e aguarda conclusão após o arquivamento na promotoria.
Segundo o promotor, o projeto não atenta contra o ECA, mas as manifestações públicas contra o projeto ferem a liberdade de expressão. Apesar do arquivamento, o promotor determinou que o conselho Tutelar identifique os autores das denúncias que apontam a existência de “apologia à pedofilia”, de “conteúdo sexual para crianças” e que o projeto estaria “ensinando sobre sexo para crianças”.
A ideia é que, com a identificação, o caso seja levado à polícia para apurar crime racial, conforme previsto em legislação federal. A lei criminaliza quem pratica, induz ou incita, por meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou nacionalidade. A pena é de um a três anos de prisão e multa. O STF já decidiu que a homofobia pode ser julgada também nesses casos.
O secretário Municipal de Promoção da Cidadania, Leandro Peixoto, secretaria a qual o conselho Tutelar é vinculado, disse que ainda não foi notificado oficialmente. “A secretaria irá assegurar que o ministério Público tenha todo amparo para o levantamento dos fatos e informações adicionais”, afirmou.
"Promotor deu aula”, disse diretor da live
O ator, diretor e produtor teatral Daniel Olivetto, responsável pelo projeto, destacou que tinha expectativa que a denúncia fosse arquivada, considerando que a tramitação do projeto cultural foi “dentro da legalidade”, com respeito e responsabilidade. Ele ressaltou que o mais interessante no arquivamento, além da decisão em si, foi a maneira como o promotor esclareceu o tema no despacho.
“Achei bárbaro porque o documento serve como uma aula sobre o assunto, tanto pra população que quer saber o que está acontecendo quanto para os próprios vereadores e o prefeito, que se colocou contra. Serve como instrução para essas pessoas”, avaliou.
Antes da resposta da promotoria, Daniel já havia prestado esclarecimentos à câmara de Vereadores. O grupo espera agora por um pronunciamento da prefeitura, enquanto também aguarda o documento de liberação da live. “Estamos com o evento organizado pra divulgar a data em breve”, informa.
Caso repercutiu nacionalmente; houve manifestações contrárias e de apoio na câmara de vereadores
Para a vereadora Anna Carolina Martins (PSDB), a medida da promotoria foi acertada. “Infelizmente muitas pessoas pré-julgaram o projeto só por conta do nome, sendo que não há qualquer envolvimento de menores na peça, que também é voltada para adultos”, disse.
Ela ressaltou entender a incompreensão das pessoas no primeiro momento, mas não a censura do executivo, que determinou a suspensão do evento. “Cancelar um evento apenas por que não gostou do tema tem nome: censura. E qualquer tipo de censura deve ser repudiada”, completou. O caso repercutiu nas redes sociais e em todo o Brasil.
A vereadora Hilda Deola (PDT) disse que o arquivamento do MP veio para esclarecer as dúvidas que ainda existiam sobre o evento. “O projeto e seu proponente foram alvos de ameaças e ofensas que distorciam o conteúdo que seria apresentado e como seria apresentado”, comentou.
A parlamentar frisou que continua acompanhando a situação até que tudo se resolva definidamente. O vereador Adriano Klawa (PSL), que havia se posicionado contrário ao projeto, disse respeitar a decisão do ministério Público e avisou que não pretende contestar, considerando que não foi ele quem levou o caso à promotoria. “Apenas entendo que no folder de divulgação deveria constar a classificação indicativa da faixa-etária”, defendeu.
O vereador Beto Cunha (PSDB) também havia se manifestado contra. Ele levou o caso ao prefeito que, segundo Beto, “interviu de forma coerente”. Na ocasião, o parlamentar criticou o uso de dinheiro público para “interesse ideológico” e avaliou que o projeto incitaria a “homossexualidade infantil”.
Programa com artistas vítimas da homofobia
O evento “Roda Bixa – Criança Viada Show” se trata de uma atividade dentro de um projeto cultural chamado Ações para Reexistir, idealizado pelo ator Daniel Olivetto, conhecido pelo trabalho junto ao grupo de teatro Cia Experimentus, de Itajaí. O projeto prevê uma série de conteúdos com podcasts e vídeos voltados para adultos.
A live censurada em maio era de lançamento do programa, com convidados e produtores. A suspensão gerou repercussão nacional e obteve apoio do secretário Nacional de Cultura do governo Bolsonaro, Mário Frias. A série traz entrevistas com artistas homossexuais que sofreram bulliyng na infância por terem comportamentos interpretados como “diferentes do padrão heterossexual”.
O projeto foi contemplado com recursos federais da lei Aldir Blanc, para auxílio emergencial aos artistas durante a pandemia. Em Itajaí, a comissão local distribuiu mais de R$ 1,4 milhão para projetos selecionados, atendendo cerca de duas mil pessoas do setor.