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De hinos e bandeiras


Não se desdenha a Pátria, nem seus símbolos: o desdém manifesto apenas comprovaria o quanto ela e eles nos importam. Pátria não é cidade, país, estado, menos ainda um governo. Não pode ser integralmente mostrada porque parte essencial dela não existe no mundo: deixa em nós, apenas, rastros, pontos de referência agressivamente visíveis quando nos faltam: “As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá” (Gonçalves Dias) Há diferença essencial entre signo e símbolo. Bandeira hasteada ou hino significam alguma entidade política – clube, partido, nação. Não importam as cores, desenho, melodia, ou poema; sequer as motivações dos criadores. A relação é arbitrária. Não existe analogia entre bandeira ou hino e aquilo que representa. Signo, de fato, é a união convencional e íntima – “como as duas faces de uma folha de papel” – entre forma “significante” e conteúdo “significado”, o qual evoca algo de um mundo real ou imaginário, como quando digo “China” ou “Hamlet” e me vem à cabeça algo que sei do país ou do personagem. Essa a concepção elementar do suíço Ferdinand de Saussure, no clássico “Curso de Linguística Geral”, escrito por seus alunos (1912); compara os signos de um idioma a um conjunto de peças (a língua) de um jogo de xadrez (o discurso). Contemporâneo de Saussure, o lógico americano Charles Sanders Peirce, intercala, entre a forma e a referência elemento subjetivo que representa o fenômeno (estado ou ação). O matemático Gottlob Frege, que também viveu naquela passagem de século, sugere a decomposição desse conceito intermediário segundo características genéricas ou atributos; estes eventualmente formam “árvores de significação” – tal como na definição dos dicionários: “abelhas são insetos, insetos são animais, animais são seres vivos…; voam, fabricam mel, vivem em colmeias...”. O fato, porém, é que não basta a relação significante para que bandeira ou hino simbolizem a pátria para alguém. Símbolos, conceitua Carl Jung, o pai da psicologia analítica, exigem evocação mais ampla, emocional, residente sob a camada da consciência, para além do que pode ser dito com clareza: “Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi: Não sei. De fato, não sei Como, por que e quando a minha pátria Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água Que elaboram e liquefazem a minha mágoa, Em longas lágrimas amargas.” (Vinícius de Moraes) Hino e bandeira são símbolos da pátria porque evocam indefinida e inefável coleção de valores, atitudes e ideias que tomamos do meio em que vivemos, no passado e por todo tempo; suscitam reação afetiva, emocional; espelham-nos. A ambiguidade do conceito começa pelas conotações do nome. “Pátria” vem do latim “pater”, pai, mas ela muitas vezes, como em nosso hino, vem definida como mãe – a “mãe gentil”. Em inglês, usa-se a palavra “homeland” – , em que a magia se transfere para outra noção símbolo, a de “home”, lar, que, ainda aí, não se resume ao lugar onde se mora, e sim a um universo de sentimentos vagos, razões emocionais. Os outros nos reconhecem por nossa pátria – é difícil livrar-se dela, dos sotaques, gestos, maneiras de pensar. Independente de ideológica ou fé religiosa, a condição de estrangeiro é óbvia. Quem se desapega da pátria e elege outra, dá um passo bem grande: afora os sentimentos que evoca, a pátria é aquilo que nos reconhece a cidadania, a formação escolar e profissional. Seja por isso ou pelo vazio interior, o apátrida procura ser aceito em novo meio, esforça-se para isso e, se tiver filhos, cuidará que tenham, eles, de berço, a pátria que escolheu por substituta, à falta da original.


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