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A geopolítica da guerra ideológica


Como os oceanos envolvem os continentes e por eles transita (e transitava mais ainda) o comércio do mundo, domina a Terra quem domina os mares, concluiu o estrategista e oficial de marinha americano Alfred Mahan em dois livros que publicou, no início da década de 1890. A tese do “Sea Power” explicava a expansão global do império inglês após a vitória sobre a Invencível Armada espanhola, em 1588, e explicaria, no Século XX, a ênfase americana em armas navais e aéreas ofensivas, como porta-aviões e mísseis de longo alcance. Em 1904, o geógrafo inglês Halford Machinder sustentou, em contrapartida, que a concentração do poder no coração territorial (“heartland”) da Eurásia garantiria o controle do continente e da África, considerada seu espaço periférico. Correspondem a essa visão premonitória tanto a ambição nazista de incorporar ao Reich terras do Leste –Polônia, Ucrânia etc. –, quanto o temor da expansão para o Oeste da União Soviética nos anos da Guerra Fria ou, atualmente, da articulação de interesses alemães com a aliança sino-russa. Outro americano, Nicholas Spykman, em livro publicado em 1942, deu ênfase ao entorno dos continentes, o “rimland”: eis porque são tão importantes, do ponto de vista geopolítico, o Japão, Taiwan, o Mar da China, o Oriente Médio, e há tanto empenho na formação de rígida muralha ideológica nos estados nacionais do Leste Europeu que fazem fronteira com a Rússia. As prioridades estabelecidas nestes modelos têm em comum o fato de que reservam para a América do Sul, a Austrália e a África meridional o papel de fornecedoras de bens primários, mão de obra barata e mercado suplementar para produtos industriais de tecnologia avançada. O inconformismo com essa condição marginal levou o Brasil a pretender liderar um bloco no seu entorno – América do Sul e África Oriental–capaz de assumir presença soberana global. Esse objetivo definiu a política externa brasileira desde os governos de Jânio Quadros e Ernesto Geisel até o golpe de 2016 e a implantação, três anos depois, da subserviência nacional confessa, após a eleição de Jair Bolsonaro. É da destruição do novo foco de poder, pacífico embora, e dos meios para viabilizá-lo no futuro, que se trata no presente processo de recolonização dos países da América do Sul. O que há de novo é a natureza dessa ofensiva recolonizadora: ela se moldou na segunda metade do Século XX com o domínio do universo simbólico em sentido amplo – da mídia à doutrina em áreas sensíveis como o Direito e o ensino militar –, a valorização do indivíduo competidor em detrimento da comunidade solidária, o controle da moeda sem lastro em que se processa o comércio internacional e, mais recentemente, dos mecanismos de trocas financeiras. A subversão por esse método tem efeito lento e seguro: a necessidade rege a História, mas não sem antes se afirmar em aspirações e vontades. Não há explicação melhor, por exemplo, para o desmonte súbito da União Soviética pela capitulação ideológica de sua elite dirigente. Nessa análise não se trata de contestar princípios do marxismo – a acumulação do capital, a luta de classes e a fase imperialista do capitalismo –, mas de acrescentar conhecimentos que resultaram do avanço da psicologia e das tecnologias da informação posteriores a Karl Marx. A liderança tecnológica dos Estados Unidos, agora ameaçada por russos (em armamentos, principalmente os defensivos) e chineses (por enquanto, em eletrônica, telecomunicações e transportes terrestres) é essencial para a gestão de patamares tecnológicos, programação de sua obsolescência e ativação de novos patamares quando oportuno, como aconteceu com a implantação de equipamentos digitais ou se pretendia, agora, com a quinta geração da Internet móvel (5G). Embora os investimentos em armas tenham aumentado nos últimos anos e guerras em formato clássico continuem ocorrendo, o confronto se trava, principalmente, em domínios imateriais, como o conhecimento científico e sua aplicação e a manipulação das representações simbólicas expressas nos discursos, os religiosos inclusive. Isso implica o conhecimento crescentemente pormenorizado dos padrões de comportamento das pessoas, tanto para acalmar reações quanto para promover ações prematuras e desordenadas (“procedimentos de aborto”). Qualquer avanço que se pretenda deve partir do conhecimento das armas, da estratégia e das táticas empregadas nesse combate que se disfarça de maneira orquestrada pelas classes e campos sociais em países que costumamos imaginar independentes.


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