Missão no exterior
Comitiva bolsonarista articula com os EUA punições ao Brasil
Comitiva passou uma semana nos EUA tentando convencer republicanos de que Brasil viveria uma ditadura
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Por Texto: Laura Scofield
No início de março, uma comitiva de deputados brasileiros capitaneada por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) passou cerca de uma semana em Washington (EUA) para angariar apoio político e tentar convencer os parlamentares republicanos de que o Brasil não é mais uma democracia.
Eles defendem, por exemplo, que os EUA aprovem uma lei para penalizar as autoridades brasileiras, sob a justificativa de violação dos direitos de conservadores, e que imponham sanções ao país sul-americano para que a suposta “ditadura de esquerda” seja derrotada. Inicialmente convidados para participar em uma audiência na Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos na Câmara dos Representantes, os parlamentares tiveram que mudar os planos quando o democrata James P. McGovern, um dos dois copresidentes da comissão, vetou o evento.
Em nota, McGovern afirma que os republicanos estariam “usando o Congresso dos Estados Unidos para apoiar os negacionistas eleitorais da extrema direita que tentaram dar um golpe no Brasil”.
A influência de personalidades, empresas e políticos norte-americanos no Brasil é recorrente e um dos casos virou destaque na semana passada, quando o bilionário sul-africano Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), ameaçou desobedecer a ordens judiciais e criticou as ações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em seu perfil na rede.
“Nós temos um apoio fora do Brasil muito forte”, disse o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao ser indagado sobre o caso. Moraes incluiu Musk nas investigações do inquérito das milícias digitais.
Articulação na Flórida
Para o especialista brasileiro em direitos humanos e ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) Paulo Abrão, os bolsonaristas têm utilizado “o mesmo manual de advocacy que as dissidências cubanas, venezuelanas e nicaraguenses exiladas dentro dos Estados Unidos”, sem, no entanto, representar uma resistência legítima como os grupos sociais desses países.
“Os bolsonaristas estão, de forma ilegítima, tentando seguir esse mesmo roteiro, tentando equiparar o governo Lula com governos ditatoriais da região. Não é à toa que eles estão utilizando exatamente essa linha, porque é a linguagem e a gramática que funciona para ativar esses outros foros. A gramática de nomear como ditadura, como governo autoritário”, acrescenta.
Abrão aponta que as relações entre os bolsonaristas e outros integrantes da direita latino-americana foram costuradas na Flórida, onde vivem os exilados latinos e integrantes de grupos bolsonaristas organizados.
Um dos grupos ativos no estado é o Yes Brazil USA, que, de acordo com apuração da Pública, foi um dos responsáveis por organizar a agenda de Jair Bolsonaro nos três primeiros meses de 2023, quando o ex-presidente viveu nos Estados Unidos. Em publicação nas redes, Gustavo Gayer disse que a comitiva de deputados recebeu “um apoio gigantesco” do grupo. “Sem o pessoal do Yes Brasil eu acredito que isso não teria funcionado, isso não teria alcançado a magnitude que nós conseguimos alcançar”, afirmou.
Apelo intercontinental
Convencer o mundo de que o Brasil não é mais uma democracia é um dos focos atuais do bolsonarismo. Os deputados têm viajado a diferentes países, marcado agendas e distribuído materiais aos parlamentares norte-americanos – como a petição The truth about the democracy in Brazil [A verdade sobre a democracia no Brasil, em tradução livre], de autoria do deputado Gustavo Gayer.
O documento traz a insígnia do Congresso Nacional e argumenta que o TSE estaria “processando e culpando oponentes do atual presidente da República sem a menor base probatória, tudo com a única intenção de aniquilar a oposição ao atual governo”. A petição conta com a assinatura de 40 deputados e dois senadores.
Integrantes da comitiva bolsonarista viajaram ao Parlamento Europeu, entre eles Gayer, que está produzindo outra petição sobre a democracia brasileira, desta vez direcionada aos políticos da Europa.
No ano passado, Eduardo Bolsonaro fez ao menos 125 reuniões com membros da extrema direita do continente americano. De acordo com postagem em suas redes, ele ainda planeja ir à Alemanha, Hungria e Israel neste ano.
Barulho no Capitólio
Além das agendas com deputados norte-americanos, a comitiva bolsonarista em Washington fez reuniões em instituições de extrema direita. Encontraram-se, por exemplo, com Matt e Mercedes Schlapp, os organizadores da Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC), evento que terá sua quinta edição brasileira em julho, em Santa Catarina.
Após a reunião, o CPAC lançou um posicionamento sobre o Brasil no qual critica os governos Biden e Lula e pede que o país “liberte imediatamente os presos por processos políticos”. O presidente da iniciativa, Matt Schlapp, defendeu também que a administração Biden “imponha sanções ao governo brasileiro por suas flagrantes violações dos direitos humanos contra seu próprio povo”.
A comitiva também visitou laboratórios de ideias [think tanks] conservadores, como o Cato Institute. O analista político Andrés Martínez-Fernández, inclusive, representou a Heritage Foundation e acompanhou o movimento bolsonarista na capital estadunidense – a Heritage, também visitada, serviu de inspiração para a criação do Instituto Conservador-Liberal de Eduardo Bolsonaro. “Esta é uma situação que merece uma resposta dos Estados Unidos para garantir que não vejamos o Brasil seguir o caminho perigoso que está trilhando atualmente”, disse Martínez-Fernández.
O grupo também se reuniu com Christian Halveston, da organização cristã Cedars House. “Fizemos destaques importantes daquilo que tem acontecido na democracia brasileira e fomos ouvidos”, disse o deputado Messias Donato em vídeo sobre o encontro.
Os próprios parlamentares dizem estar percebendo que a insistência nas visitas ao exterior tem gerado resultados.