Histórias que eu conto
Por Homero Malburg -
Homero Bruno Malburg é arquiteto e urbanista
Domício Duarte
(Itapema 1924 – Itajaí 2015)
Conheci o “seu” Domício quando assumi a presidência da Sociedade Guarani em março de 1999. Era o guardião das nossas terras na Praia Brava há mais de 10 anos.
Velho durão, levava sua função aos extremos da dedicação, um cão de guarda, como ele se orgulhava ser chamado: “cachorro do Guarani”.
Contava ter trabalhado na construção do molhe do Porto de Itajaí, como caseiro do médico Dr. Luiz em Cabeçudas, e até de vigia na Tecita e no bar “Brasileirinho”.
Amanhecia no portão da minha casa quando tinha alguma duvida e, sempre que possível, eu ia conferir no local. Dizia que eu lhe tinha ensinado: “O bom não é ouvir, mas sim ir ver o problema”.
No início, morava em um “boxe” do Kartódromo com sua companheira dona Caetana: sala, cozinha e cama em um só espaço. O banheiro era fora. Quando vendemos aquela parte do terreno para a Procave, construímos uma casa de madeira para ele. Ficou meio desconfiado, mas por fim foi lá morar.
Surdo e enxergando pouco, sua vida foi se tornando mais difícil. Pagava do seu bolso um roçador que mantinha limpo, em torno das cercas das divisas, o terreno de aproximadamente 450 mil metros quadrados. Uma vez eu entrei no mato com ele para conhecer a área e disso muito se orgulhava.
Quando tinha que enfrentar alguma invasão em nossas terras, colocava um facão no cinto e lá ia ele... Evitou ocupações do terreno e até o uso da lagoa para batismo de pessoas de uma igreja. Pôs todos a correr.
Só aceitava ordens do “dotô Melo”, como me chamava.
Teimoso como ele só, exibia o dinheiro que levava no bolso da calça depois de ir ao banco descontar seu cheque-salário. Evidente que sofreu três assaltos em casa dos quais, felizmente, escapou ileso. Habituado com seu horário de sono nos tempos de vigia, acordava às quatro da manhã e dormia às cinco da tarde.
Teve três mulheres. O “Dinho”– Ronaldo – sobrinho da Caetana, foi “adotado” como seu protetor. Se tivesse parentes, não os reconhecia como tal. Fez do “Dinho” seu herdeiro e lhe passou procuração em troca de um acordo: a promessa de um enterro digno.
Em fevereiro de 2011, foi atropelado na rodovia Osvaldo Reis, não viu e não ouviu o carro que o atropelou. Levaram-no para o hospital Marieta com fraturas nas pernas. Quando teve alta a Sociedade Guarani, em reconhecimento à sua dedicação, o colocou na casa de idosos onde ficou por quatro anos e três meses.
No dia 15 de outubro de 2014, completou noventa anos e se preocupava se não perderia o beneficio com minha saída da presidência em março de 2015. Não esperou muito. Faleceu em 5 de junho de 2015.
O “Dinho” e a Maria deram-lhe o prometido: um enterro digno. No velório, pouca gente – velhos amigos – e a certeza de que o patrimônio da Praia Brava teria sido invadido e retalhado se não fosse sua abnegação.