Coluna esquinas
Por Coluna esquinas -
Em uma manhã de inverno
Tenho quatro filhos que me ensinam tanto que nem cabe em uma crônica de dois mil caracteres...E de cada um deles levei muitos tapas de luva para entender que há mais vida na vida do que nós imaginamos. Posso contar algumas coisas simples que foram eles – e somente eles com suas criancices – que as deixaram marcadas em mim.
Meu cheiro de infância tem bolo de milho com manteiga. Bolo quentinho recém-saído do forno me leva à casa de mãe. Nossas memórias inundam nossos sentidos quando temos contato com alguns desses suportes. Tenho saudades, mas não posso deixar que o aperto no peito se prolongue, afinal, a vida adulta me chama.
Muitas lógicas construídas pelas crianças poderiam ser aplicadas na vida adulta. Um dia li a definição de uma criança sobre o significado da palavra “adulto”: “ É uma pessoa que não entende de chuva e de crianças”. Quem sabe conceitos sejam mesmo bem mais simples do que as teorias apregoam. Quem sabe?!
Em uma manhã dessas de inverno, o filho pequeno, que acorda mais cedo do que eu desejaria, falava sobre tantas coisas que nunca imaginei serem possíveis às sete da matina. Num desses papos – alguns diálogos outros monólogos – ele me contou que o céu não é azul. E, gesticulando com propriedade, me explicou detalhadamente que minúsculas partículas refletem a luz que dá a sensação de que ele é azul. “Entendeu?” Finalizou ele.
Esse papo com João me levou a pensar sobre os modos com que eu – que atuei tantos anos como professor universitário envolto em teorias e textos sisudos – lido com a vida, enquanto ele demonstra que tendo um sol lá fora e alguns brinquedos tudo está legal. A felicidade está em uma caixa de papelão ou em um pequeno bombom. Ainda não sei bem como conservar vestígios desse tempo em mim, mas os filhos me trazem algumas respostas.
Lidar com sentimentos em tempos de pandemia, quando rotinas foram interrompidas e crianças estão em casa sem escola ou contato com outras crianças, não tem sido fácil. Havia uma vida antes e outra agora. Por hora sabemos que, em meio a essa guinada da vida, tem muito adulto tentando lidar com esse caos que ficou a vida e que sempre teremos crianças tentando entender e lidar com um caos interno que é completamente diferente do caos adulto.
Não consigo ouvir tantas crianças nesse momento, mas posso indicar algumas lições que tenho aprendido com o pequeno aqui de casa. Do alto de seus cinco anos de vida, ele me ensina que todo dia é realmente um novo dia, demonstra que um sorriso encurta caminhos, que um convite à aventura deve ser prontamente aceito, que a imaginação e criatividade são asas e que a persistência é o forte de uma criança, pois quando quer algo insiste muito.
Quem sabe se quebrarmos a casca dura de adulto aquela caixa velha de papelão pode ser uma nova possibilidade de cultivar a alegria?
Fica a dica:
O livro infantil O HOMEM QUE AMAVA CAIXAS. Ano 1997. Editora Brinque book.