Matérias | Especial


SANEAMENTO BÁSICO

Só seis das 11 cidades da região tratam o esgoto

O descaso com os programas de coleta e tratamento de esgoto é visto por especialistas como um entrave para o desenvolvimento regional das cidades da Amfri

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Navegantes não tem qualquer programa de coleta e tratamento de esgoto {Foto: Antonio Neuwiem}


Dos 11 municípios que compõem a macrorregião da foz do rio Itajaí-Açu (Amfri),  apenas Balneário Camboriú, Balneário Piçarras, Bombinhas, Ilhota, Itajaí e Itapema têm sistemas de esgotamento sanitário. As outras cinco cidades não têm solução a curto prazo para o problema da falta de saneamento básico, o  que impacta na vocação turística da região e reflete na qualidade da água de praias e rios.

A Amfri, embora tenha um colegiado de Meio Ambiente desde 2005 para discutir, planejar e construir políticas públicas, programas e ações que visem a preservação e a recuperação do meio ambiente, não tem um mapeamento da questão.

O engenheiro ambiental Leandro Freitas, da Amfri, diz que os problemas de falta de saneamento básico enfrentados na região são os mesmos da maioria dos municípios brasileiros. “O déficit em saneamento, no tocante à coleta e tratamento de esgoto, é crônico e histórico”, diz. De acordo com o Instituto Trata Brasil, no país a proporção de municípios com serviço de esgotamento sanitário passou de 47,3%, em 1989, para 60,3%, em 2017, ou seja, em 28 anos, o avanço no número de municípios que oferecem esse tipo de serviço foi de apenas 27%.”



Segundo Freitas, isso se deve pela falta investimento em saneamento. “Quando os custos para implementação desse tipo de infraestrutura são altos, muitas vezes superam as capacidades municipais de arcar com os investimentos. A macrorregião da Amfri é uma amostragem em menor escala do que acontece no país inteiro”, justifica.

O professor e pesquisador da Escola do Mar, Ciência e Tecnologia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Marcus Polette, diz que em plena segunda década do século 21 é inadmissível que os municípios da região não priorizem o saneamento como agenda fundamental de desenvolvimento social, ambiental e econômico. Polette aponta ainda que o crescimento urbano em áreas irregulares de invasão na região, inclusive com a favelização, é outro  grande responsável pela falta de saneamento.

Situação da cidade de Navegantes é caótica


Navegantes é um dos municípios da região em que a situação de saneamento básico é mais trágica. Com uma população de 83.626 habitantes (IBGE 2020), densidade populacional de 540,56 habitantes por km², não há qualquer programa de coleta e tratamento de esgoto.

A grande maioria das residências utiliza fossas sépticas e sumidouros. Assim, os efluentes são tratados de forma doméstica e lançados na rede pluvial. No entanto, mais de 20% não tem nenhum sistema de tratamento e despeja os resíduos diretamente em canais, ribeirões ou na rede pluvial por meio de ligações irregulares. Por fim,  a poluição acaba no mar.

A Fundação do Meio Ambiente de Navegantes (Fuman) não tem o mapeamento e sequer o número dos domicílios que estão ligados e, teoricamente, têm seu esgoto tratado. E o impacto disso é avassalador. Pontos nas imediações do centro da cidade e distantes duas quadras do mar se transformaram em verdadeiros depósitos de esgoto a céu aberto. Exemplo disso são as áreas usadas pelos pescadores no Pontal e a “vala” da Radial [retificação do Ribeirão Guapuruma que se une ao ribeirão das pedras e desemboca no mar], na Meia Praia. No Gravatá, além desse ponto de despejo [que fica na divisa do bairro] é o rio homônimo que impacta diretamente na poluição da raia, acumulando, ainda, parte do esgoto do município vizinho de Penha.

Marcos Zaleski de Matos, superintendente da Fuman, explica que na maioria das cidades brasileiras que não possuem sistema de coleta e tratamento de esgoto coletivo, existe uma regulamentação legal prevista no Plano Diretor - Código de Obras, que obriga as construções a instalarem sistemas próprios de tratamento de efluentes. “Os mais utilizados são compostos por fossa séptica, filtro anaeróbico e caixa de desinfecção [clorador], sendo que este pode ser substituído por sumidouro. Esses sistemas individuais são regulamentados por normas nacionais”, acrescenta.

O secretário de Saneamento Básico de Navegantes (Sesan), Valério de Campos, confirma a inexistência de um sistema de esgotamento sanitário no município e diz que a pasta já deu início a um projeto para a coleta e tratamento na cidade. No entanto, não o detalhou. O advogado e engenheiro Rui Dalton Miecznikowski defende a implementação imediata deste sistema. “Navegantes tem recursos para isso. Temos uma boa arrecadação e o que sempre nos faltou foi vontade política. A falta de um sistema de coleta e tratamento eficiente compromete nossa economia e é um caso de saúde pública”, acrescenta.


Elvis Roni Bucior, professor e mestre em administração, com militância nos movimentos em prol do meio ambiente, diz que a cidade tem potencial portuário, aeroportuário, logístico, industrial e turístico. Segundo ele, é inadmissível que ainda existam espaços como os verificados no Pontal, que foram terrivelmente impactados por uma grande obra de drenagem, que faz com que o esgoto de boa parte da região central seja despejado ali. "É uma situação degradante em pleno século 21," completa. Ainda segundo Bucior, cidades ribeirinhas do rio Itajaí tem um prazo de menos de 10 anos para implantarem sistemas de gestão, coleta, tratamento e devolução dos esgotos, o que certamente não vai ocorrer nesse prazo.

Impacto é direto na balneabilidade das nossas praias

De acordo com o IBGE, aproximadamente 34,1 milhões de domicílios no país, o equivalente a 49,2% do total, não têm acesso ao esgotamento sanitário por rede. Dos 50,8% dos municípios que têm tratamento de esgoto, grande fatia ocorre em sistemas domésticos. E Santa Catarina não fica atrás.

Segundo Marcus Polette, da Univali, embora as cidades de Florianópolis, Blumenau e Joinville ocupem, respectivamente, as 59ª, 67ª e 85ª posições no ranking do Instituto Trata Brasil das 100 maiores cidades brasileiras com melhores índices coleta e tratamento de esgoto, ainda há um grande desafio pela frente.


“Santa Catarina possui tantos indicadores positivos no país, como é o caso do IDH. Mas em saneamento, ainda necessita de grandes investimentos em infraestrutura. Esse é um elemento básico para qualquer município que queira legar aos seus munícipes qualidade ambiental e bem-estar, ” explica.

Na região da Amfri, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS/2018), a população total atendida com esgotamento sanitário é de apenas 253.871 habitantes. Esse número está pouca coisa acima da população de Itajaí, que é um dos 11 municípios que compõem a macrorregião. “Isso se reflete nos problemas de poluição dos rios, estuários e na balneabilidade das suas praias.”

Segundo o Instituto de Meio Ambiente (IMA), em 2021 as áreas impróprias de balneabilidade geralmente estão localizadas em frente aos estuários, rios, riachos e ribeirões de praticamente de todos os municípios. “Isso demonstra que o desafio está em melhorar substancialmente suas ações de saneamento em bairros e municípios que têm um crescimento populacional expressivo e cujas agendas de governo não têm o saneamento como prioridade máxima”, acrescenta Polette.

Penha tem as praias mais poluídas

A realidade de Penha não é diferente. De um lado está a prefeitura, que alega falta de recursos para a implementação de um sistema de esgotamento sanitário e, de outro, a concessionária Águas de Penha, que diz estar com os recursos e R$ 100 milhões em caixa para a implantação do SES e depende apenas da cessão das áreas pelo município para a construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), elevatórias e rede de captação.

“É necessário que o poder concedente cumpra suas obrigações contratuais que antecedem as da concessionária. A Águas de Penha ainda aguarda que o executivo apresente as áreas onde serão construídas as diferentes estruturas que compõem o sistema e que devem ser cedidas pelo município, conforme definido em contrato. Nenhuma destas áreas foi cedida até o momento.”


Segundo a empresa, também é necessário que o município providencie a Licença Ambiental Prévia (LAP) para, na sequência, a Águas de Penha solicitar a Licença Ambiental de Instalação (LAI) e a Licença Ambiental de Operação (LAO). A Águas de Penha garante que o projeto já foi apresentado ao Executivo e a concessionária já fez cobranças formais, com cópia para a agência reguladora, para que o município defina as áreas e providencie a LAP para o início das obras.

O controlador do município de Penha, Eduardo Bueno, concorda que o contrato de concessão da Águas da Penha prevê também a implementação de um sistema de esgoto, mas diz que o contrato [assinado em 2015] prevê a implantação apenas a partir de 2028. “Queremos a celeridade nesse processo. Somos uma cidade litorânea, turística, e precisamos garantir a balneabilidade de nossas praias”, frisa Bueno. O município está buscando judicialmente a quebra de contrato.

Bueno diz conhecer a cláusula do contrato que prevê a cessão das áreas, no entanto, alega que a prefeitura não tem condições de arcar com essas despesas. “O terreno escolhido pela concessionária custa mais de R$ 4 milhões. Além disso, para a obtenção do licenciamento há necessidade da ação da concessionária junto aos municípios por onde passará a adutora, o que a empesa não fez. Defendemos que a concessionária invista também na aquisição dos terrenos e obtenha a LAP”, conclui Bueno.

Morte anunciada do rio Camboriú

O rio Camboriú nasce a 32 quilômetros de sua foz e morre antes mesmo de chegar à praia. Seu leito recebe a maior parte do esgoto proveniente da cidade de Camboriú, com uma população de 85.101 habitantes (IBGE 2020). Esse é o principal problema causado pela falta de investimentos em infraestrutura de saneamento básico na cidade. Problema histórico que, inclusive, impacta na balneabilidade da orla da vizinha Balneário Camboriú, um dos mais procurados destinos turísticos do sul do Brasil.

As únicas alternativas viáveis na opinião do presidente da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Camboriú, Valmor Dalago, para a implantação de um sistema de coleta e tratamento no município é a concessão do serviço à iniciativa privada ou a implementação por meio de consórcio com a Empresa Municipal de Água e Saneamento (Emasa), responsável pelo serviço em Balneário Camboriú. “A cidade inclusive perdeu, em 2016, recursos de R$ 87 milhões disponibilizados pelo governo federal, porque os projetos não foram apresentados dentro dos prazos legais. Agora não temos caixa para uma obra desse vulto”, ressalta Dalago.

Por meio de nota, a concessionária Águas de Camboriú diz que, pelo contrato vigente, a implantação do sistema de tratamento de esgoto deve ser feito pela prefeitura e operado pela empresa. “No entanto, diante do alto investimento necessário e atenta à histórica demanda de ter uma cidade saneada, a empresa se colocou à disposição para investir também na implantação do sistema de esgoto, incluindo a construção de uma estação de Tratamento de Esgoto (ETE), elevatórias e a rede de coletora, mediante a repactuação do contrato”, informa a concessionária.

O investimento gira em torno de R$ 100 milhões. Em outubro de 2019, representantes da empresa teriam participado de uma audiência pública com o executivo, quando foi aprovada a proposição da concessionária. “Estamos aguardando apenas o município se manifestar”, diz a nota. Sobre a possibilidade da Emasa investir na rede de esgoto do município vizinho, o diretor da empresa pública, Douglas Costa Beber,  confirma a possibilidade. No entanto, ele conta que ocorreram três rodadas de conversas com a administração de Camboriú, nas quais foi oferecida a possibilidade da Emasa executar a obra da rede coletora. “Mas não obtivemos nenhuma resposta positiva,” ressalta Beber.

Saneamento básico não é só coleta de esgoto

A professora Camila Burigo, da Univali, explica que o saneamento básico não é apenas o tratamento de esgoto. “Além desta questão, compreende coleta, tratamento e destinação da água; coleta, separação e destinação dos resíduos sólidos e também a coleta e destinação final das águas da chuva”, diz a especialista. A falta de investimentos impacta diretamente na saúde individual e coletiva das pessoas. “Ter esgoto tratado, água de qualidade e destinação correta do lixo ajuda na qualidade de vida.”

Camila diz ainda que, segundo os dados de entidades como a Unesco e Trata Brasil, cada real investido em saneamento básico impede que sejam gastos sete reais com tratamento de saúde relacionados a doenças contraídas pela falta de saneamento. E o problema não é apenas relacionado ao despejo do esgoto não tratado nas praias, como também pelos lixos sólidos lançados nos rios, ribeirões e até em bocas de lobo, que acabam chegando à orla. “São fontes de doenças para o ser humano e também fontes de degradação da qualidade ambiental,” ensina.

Tânia Pedrelli, mestre em engenharia ambiental e professora da Univali, explica que a ausência de coleta e tratamento de esgoto gera problemas ambientais, que acabam causando problemas de saúde pública e, consequentemente, problemas sociais e econômicos, como custos com remédios, internações hospitalares e atestados médicos. “É como uma bola de neve seguida de uma avalanche. Muitas crises de saúde pública são decorrentes de um ambiente deteriorado. E a recuperação de um ambiente degradado também envolve custos e tempo,” completa.




Comentários:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Para fazer seu cadastro, clique aqui.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.


Envie seu recado

Através deste formuário, você pode entrar em contato com a redação do DIARINHO.

×






3.238.57.9

Últimas notícias

PRAINHA DE SÃO MIGUEL

Vídeo: Chalé de pousada pega fogo em Penha

FOCA NO FINDE

Filipe Ret, Lauana Prado e Nany People são atrações confirmadas do feriadão

ITAJAÍ

Moradores derretem sob “calor louco” e com espera pra fazer o RG

FEIRINHA AMPLIADA

Produtos artesanais são alternativa para o presente de Páscoa

NAVEGANTES

Lançado edital para as obras de alargamento da praia do Gravatá

AEGEA

Águas de Camboriú divulga Relatório 2023 de Qualidade da Água

Violência 

Três homens são executados no bairro Quinta dos Açorianos 

BALNEABILIDADE

BC fecha temporada com maioria dos pontos liberada pra banho na praia Central

ECONOMIA

Marca chinesa de veículos elétricos quer abrir indústria em Santa Catarina

Futebol

Santos vence o Bragantino e se garante na final do Paulistão



Colunistas

JotaCê

Novidades no porto

Coluna Esplanada

Aversão à GLO

Coluna Existir e Resistir

Bloquinho do Sebastião Lucas resgatando e revivendo os saudosos carnavais

Gente & Notícia

Férias na Tailândia

Ideal Mente

A síndrome do coelho de Alice

Via Streaming

“Anatomia de uma Queda”

Show de Bola

Planejamento iniciado

Direito na mão

Guia da aposentadoria por incapacidade permanente

Coluna Exitus na Política

Ética para civilização tecnológica

Empreender

Balneário Camboriú atrai cada vez mais clientes do eixo sudeste

Na Rede

Internet: Confira os destaques da semana do DIARINHO

Jackie Rosa

A alegria dos Bellini Morastoni

Histórias que eu conto

Aviação II

Coluna do Ton

No clima do Peru

Foto do Dia

Imponente

Artigos

Aniversário da praça dos Correios

Coluna Fato&Comentário

Jesus dos Passos: 100 anos nas ruas de Itajaí



TV DIARINHO


A acompanhante de um paciente flagrou um rato correndo pelo corredor da recepção principal do Hospital ...





Especiais

Itajaí

Projeto “Elas no Legislativo” inspira estudantes a abraçarem a participação política feminina

ALQUIMISTA DOS SABORES

A fabulosa cozinha multicultural de chef Fátima Vanzuita

Barbie

Da boneca preferida ao empoderamento feminino

TRAJETÓRIA DE UMA ENFERMEIRA

De contratada sem experiência a idealizadora de atendimento inovador

Visionária

O impossível não existe no vocabulário de Miriam de Almeida



Blogs

A bordo do esporte

Inaê Transbrasa corre em Ubatuba

Blog do JC

Pinho Moreira é o novo superintendente do Porto de Itajaí

Blog da Jackie

De hoje a domingo na Marina Itajaí

Blog do Ton

Amitti Móveis inaugura loja em Balneário Camboriú

Blog da Ale Francoise

Dossiê com 9 plantas que podem afastar o mosquito da dengue!

Gente & Notícia

Warung reabre famoso pistão, destruído por incêndio, com Vintage Culture em março

Blog Doutor Multas

Como parcelar o IPVA de forma rápida e segura

Blog Clique Diário

Pirâmides Sagradas - Grão Pará SC I

Bastidores

Grupo Risco circula repertório pelo interior do Estado



Entrevistão

Omar Tomalih

“Balneário Camboriú hoje é o município que está com o maior controle, com o menor número de notificações de casos de dengue”

Robison Coelho

"Nós não estaremos com o MDB aqui em Itajaí”

Entrevistão Adão Paulo Ferreira

"Porto sozinho não serve para nada. Ele precisa ter navios, linhas"

Irmã Simone

"Aqui nós atendemos 93% SUS”



Hoje nas bancas


Folheie o jornal aqui ❯








MAILING LIST

Cadastre-se aqui para receber notícias do DIARINHO por e-mail

Jornal Diarinho© 2024 - Todos os direitos reservados.
Mantido por Hoje.App Marketing e Inovação