CENSURADA
Prefeito cancela live cultural por causa do nome “Criança viada show”
Diretor diz que o projeto falaria de memórias de artistas homossexuais que foram perseguidos na infância por serem “diferentes”
Franciele Marcon [fran@diarinho.com.br]
O prefeito Volnei Morastoni (MDB) gravou um vídeo nas redes sociais para anunciar o cancelamento da live do projeto cultural “Ações Para Reexistir” que seria transmitida na noite de sábado, através de um financiamento da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. O prefeito determinou a imediata destituição dos membros da comissão municipal que fez a seleção do projeto que foi financiado por verba federal. “Como prefeito e médico pediatra determinei a suspensão da live”, avisou Volnei no vídeo.
O prefeito justificou que achou inaceitável a expressão “Criança Viada Show” usada no material de divulgação do evento nas redes sociais. A intervenção, segundo o prefeito, foi feita porque o projeto foi credenciado através de verbas dos Prêmios e Projetos Artístico-Culturais, e, em tese, poderia confrontar o estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Volnei ainda determinou a abertura de um procedimento administrativo para apurar os fatos que levaram à aprovação do projeto. O caso foi remetido à procuradoria-Geral do município e também ao ministério Público.
Os vereadores Beto Cunha (PSDB) e Adriano Klawa (PSL) se manifestaram nas redes sociais pedindo providências do município para o cancelamento do evento. “Eu repudio qualquer incitação à homossexualidade infantil. Esse tema deve ser tratado e discutido por psicólogos e acompanhado pelos pais e familiares. Não deve ser exposto dessa forma pois é algo muito sério,” disse em vídeo o vereador Beto Cunha (PSDB).
Horas depois, o prefeito se manifestou publicamente anunciando o cancelamento do programa.
Memórias de artistas
O “Criança Viada Show” abriria o projeto “Ações para reexistir” e era destinado ao público adulto. Participariam da live as artistas Hedra Rockenbach, Loli Menezes e Sandra Meyer. Os cinco episódios do programa remeteriam a memórias de artistas homossexuais que já foram vítimas de homofobia.
O ator e diretor Daniel Olivetto criou a série em parceira com a artista Hedra Rockenbach. A produção contaria com a participação dos artistas convidados Jônata Gonçalves, Renato Turnes, Osmar Domingos, Mauro Filho, Leandro Cardoso e Arthur Gomes.
Segundo Daniel, o termo “criança viada show” surgiu pela primeira vez em 2004 e vem sendo “distorcido ano a ano”. O ator e diretor, que trabalha com teatro há duas décadas, diz que o projeto tinha intenção de desmitificar o termo, que seria justamente uma crítica social à discriminação e à perseguição que algumas crianças sofrem por serem “diferentes do padrão heterossexual”.
“Tenho uma profunda preocupação com as crianças que são mortas vítimas da homofobia, apenas por terem trejeitos homossexuais. Essa distorção do termo “criança viada” não é nova.... Não é o primeiro caso de censura no Brasil ao se criar um alarde em cima de um termo distorcido”, justificou o diretor, que disse que não foi procurado pelos vereadores, pelo prefeito ou qualquer autoridade da cidade para explicar ou debater a proposta do evento, que foi aprovado através de uma comissão de avaliação de projetos culturais.
Daniel diz que lamenta a “falta de respeito com o trabalho artístico”. “A gente estuda muito, trabalha muito. Mesmo sabendo que se está mexendo com um vespeiro, é esse o trabalho que a gente quer fazer. Precisamos sim falar desse assunto que é um tabu. Porque vivemos no país que mais mata pessoas LGBTs no mundo. Crianças morrem por ter trejeitos 'diferentes do padrão'. Morrem por não se enquadrarem em uma perspectiva hetero que tem sido a norma”, afirma.
Desabafo
“Falamos aqui de sete vidas, sete memórias, sete gays que foram crianças um dia. Falamos aqui de mais um caso de “suspensão” da luta, do direito de dizer, do direito de ser. É com imensa tristeza, pouca surpresa e nenhuma apatia, que viemos dizer que nossa live está suspensa, mas nunca cancelada. Quando tudo o que não foi lido sobre nosso projeto for compreendido, nós voltaremos. As inverdades propagadas nas mídias sociais por membros da sociedade civil e por políticos eleitos não passarão. Somos artistas, somos gays, somos pesquisadores, somos produtores, somos resistência”, dizia a nota oficial do projeto publicada após o cancelamento da live.