Em geral, a atitude de pessoas de classes média e alta, ao cruzarem com as que se encontram em situação de rua, é de indiferença, asco, medo ou fazem um gesto piedoso de oferecer algo, comida ou dinheiro, para aliviar a consciência. Esses bem-nascidos, entretanto, são em maioria cristãos e, agora, se preparam, junto com suas famílias, para celebrar o Natal.
O que o Natal significa para eles? Um adorno no canto da sala em forma de presépio e bonecos de Papai Noel? Mera confraternização mercantilista na qual todos se sentem na obrigação de presentear até mesmo a quem despreza? Uma ocasião de se empanturrar à mesa, enquanto 24 mil pessoas morrem, por dia, de fome no mundo? Ou é, de fato, uma festa religiosa centrada em um fato histórico paradigmático – Deus veio habitar entre nós e assumiu a nossa condição humana.
Recordemos os relatos evangélicos de Mateus e Lucas. Eles registram que Maria e José eram “noivos”. Portanto, não estavam casados. No entanto, José encontra Maria, “antes que se unissem, grávida pelo Espírito Santo. Por ser José, seu marido, um homem justo, e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente.”
Aqui Maria se irmana a todas as mães solteiras repudiadas pelos maridos. Pela lei judaica, José, desconfiado da traição de Maria, poderia tê-la acusado de adultério, e ela seria condenada à morte por apedrejamento. Porém, como a amava, pretendeu abandoná-la à própria sorte. Deus, entretanto, o fez entender o mistério do nascimento de Jesus.
Para cumprir o recenseamento pelo imperador romano, o casal se deslocou de Nazaré para Belém, terra da família de José. Lá, os parentes de José se recusaram a hospedá-los. Com certeza por estarem convencidos de que José engravidara a moça sem ter se casado com ela. Aqui Maria e José se irmanam a todos que, repelidos do lar, se encontram em situação de rua.
Sem ter para onde ir, Maria e José ocuparam a manjedoura de um sítio. Aqui o casal se irmana a todos os sem-terra e sem-teto. Logo após o nascimento de Jesus, o rei Herodes, informado de que um rival havia nascido em Belém, ordena o massacre de todos os bebês. Maria e José fogem com o Menino para o Egito. Aqui a família abençoada se irmana a todos os perseguidos pelos poderosos, refugiados, exilados e banidos.
Comemorar o Natal é, portanto, rememorar todos esses episódios e dar a eles o sentido evangélico que merecem. Deus se fez pessoa em situação de rua para nos mobilizar em favor de todos que são rejeitados, perseguidos, abandonados e discriminados. Este, portanto, é o melhor presente que podemos dar no Natal: nos fazer presentes nos movimentos e nas mobilizações que defendem os direitos dos que se encontram em situação de rua e combater a desigualdade social, para que a nossa sociedade seja reflexo da comunidade de Jesus, na qual todos partilhavam os pães, os peixes e o vinho.
Quem sabe uma pessoa em situação de rua, com vocação poética, tenha escrito este poema anônimo gravado num muro: “Pra falar a verdade / nunca tive um pijama, / pra que, se nunca tive cama? / Verdade verdadeira, nunca tive um brinquedo, / apenas tive medo. / Mas hoje há tanto frio, tanta umidade, / que invento um cobertor de sol poente / e um pijama de sonho em cama quente. / É bom brincar, sonhar em ser gente.”
Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org