Coluna esquinas
Por Coluna esquinas -
O pai, o menino e a praga
Para João, companheiro das fábulas
É certo que o menino ainda não sabe distinguir entre perigo e aventura. Também é certo que o pai ainda não sabe quando seu lado menino brinca com o cotidiano para que ele dê uma risada que seja. De todo o modo, nenhuma dúvida de que a vida dentro de casa pode virar brincadeira e, ambos, podem entender que juntos são fortes diante dessa praga que se instalou em nossas vidas.
É certo também que o pai não vai ficar ali para sempre. O menino acha que sim. O pai, já homem crescido, não acredita em eternidade ou céu ou aquele blábláblá de um deus velho, barbudo e sábio que tudo vê. O menino, em sua vida que começava, só vê o infinito e as diferentes maneiras de voar por aí. O pai, bem cansado de resolver problemas da vida, esforça-se de como se olha além.
Agora, enquanto escreve a crônica, estão sentadinhos no sofá pai e menino falando de elefantes que voam e macacos que dão risadas na varanda. O menino não é tão paciente e tem aprendido com esse mundo maluco que a espera é perda de tempo. Essa tal ansiedade pode pegar o tempo do menino ou transformar em doença. O pai anda contra a corrente e se esforça muito para que o menino não se entregue para o tempo veloz.
Enquanto o menino olha para a frente, o pai teima em olhar para trás. O menino acha que o que hoje está bom demais, vai continuar para sempre. Mas o pai, já carregando rugas, sabe que o que temos de certeza é que tudo acaba. O tempo é sorrateiro e chega com ares de sorriso e, quando menos se espera, vai apressando os ponteiros e avisando que Chronos – como fazem os velhos titãs – possui o tempo e os destinos.
O pai e o menino vivem esse tempo em que a tristeza chega em nossas casas sem aviso. O menino não tem escola, o pai trabalha no escritório. Há uma grande oportunidade para ambos. Do seu lado, o menino conhece a rotina do pai que aprende a conviver com a completude da vida que exige cuidados em todos os cantos: trabalho, família, filhos e tantas outras exigências que o cotidiano pede. Pai e menino crescem juntos. Nenhum culpa o outro por nada.
O menino tem ensinado o pai a olhar com reverência e carinho o tempo. O pai ensina seu menino a continuar acreditando no infinito. Só assim pai e menino ficarão juntos para sempre. O voo está exatamente nas memórias que perduram como recortes felizes.
Fica a dica:
O filme A língua das mariposas (José Luis Cuerda, Espanha, 1999), ambientado na Espanha dos anos 30, período anterior à Guerra Civil conta a história de um menino que encontra um mundo de descobertas junto com seu velho professor. Liberdade, guerra, fascismo e curiosidade são alguns, dentre tantos, os temas dessa história sensível.