Coluna esquinas
Por Coluna esquinas -
Não morro de véspera quando planto
Um lar. Um lar é uma abstração. Um espaço humanizado de memórias e sentidos.
Para nós, modernos, um lar pressupõe uma casa. Em que lugar quero chegar com esse papo? Uma casa não garante que tenhamos um lar. É preciso que dediquemos horas de afetos e cuidados para que ocupemos esse lugar acolhedor chamado de lar.
Tenho muitos motivos para acreditar - e uma pandemia para dar conta de me convencer - que meu corpo é meu lar. Sou tomado de sentimentos que, em mim, são afetados quando escolho um canto para estar com meus pensamentos, meu alimento íntegro, meu auto-respeito quando o corpo grita após beber ou comer algo artificial ou até mesmo quando exagero no trabalho e as dores anunciam que o freio tem que ser acionado. Meu corpo, meu templo.
Minhas gavetas ficam na memória. Tenho assuntos de longo prazo que ficam ali quietos, alguns nem tanto. Minha memória, já tão congestionada, guarda instantes de afetos com pessoas, lugares e muitas frases sábias que fizeram eco por toda a vida. Guardo-as para que momentos de caos sejam apaziguados com as palavras saídas dessas minhas gavetas.
Meu quarto acolhe cansaços, instantes de afeto e infinitas horas de solidão. Já chorei, ri e amei em meu quarto fechado. Me alimentei de acolhimentos daquele recanto, mas da porta para fora o que o mundo pede é coragem para não ser engolido.
É na cozinha que refaço as forças e ganho coragem na alquimia das cores, dos aromas e sabores. Sou o tipo de cozinheiro que lambe os dedos e adora vidros com temperos coloridos saídos de diversos cantos do mundo. Minha cozinha é meu espaço de revitalização. Sei que, se chegou até aqui na leitura, deve estar espantado com minha confissão, mas o fato é que converso sozinho enquanto mexo nas panelas.
A varanda de meus dias tem flores, muda de abacate, tomates e uma infinidade de verdes que deixam aquele canto com a sensação agradável de que a vida anda fazendo estripulias. O agradável cheiro de adubo recém-saído da composteira nos coloca em uma estrebaria. Pois é dali que a vida brota, exatamente do resíduo que podemos alimentar outras vidas.
Poderia seguir o texto, mas em poucos caracteres é impossível. O fato é que o espaço doméstico tem sempre uma correlação com o que sou, como lido com meus problemas, como respondo às infinitas perguntas que a vida apresenta ou como recebo quem me visita. Os modos com que arranjo os objetos na casa ou a maneira com que organizo os móveis contam sobre como eu lido com minhas relações.
O mundo pega fogo e minha casa está em perigo. Se eu cuidar de meus recantos quem sabe os filhos aprendam que o bom da vida começa a ser cultivado em nosso recanto.
A dica de hoje? Se quer mesmo colher, escolha o que plantar para não ter surpresas na tua colheita.